THOUSANDS OF FREE BLOGGER TEMPLATES »

Feelings (ou algo do género)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

CÂNTICO







(I)


O que dissemos, o que fizemos perdeu-se na confusão,
no torpor que se segue à loucura
dos corpos suados, do sangue
dos lençóis frios manchados
pelo sémen de um amor fugaz.

Olha para mim agora,
perdido, esquecido!
Escorre uma cinza sobre as memórias.
Nada...
Nenhuma palavra se pode repetir
as silabas que quebraram os silêncios
e alimentaram as nossas ilusões, as mentiras...
Nada se pode repetir ou emendar.

Deixa o silencio cobrir-te
e os sonhos que a noite levou voltarem
numa louca vertigem que te atinge.
Deitada há tanto tempo...
Quem te vai dizer do dia da noite?
Do riso e das lágrimas?
Quem vai cantar a luz do dia que se ergue como uma miragem
e abre feridas na memória?
Perdido...
Mergulhado na memória dos dias que esqueceste.
Onde no silêncio da espera relembro o teu olhar
parado no vazio das horas que se escoaram
depois do prazer.

Muitos nomes, muitos corpos, muitas vidas
para guardar e lembrar... para perder!
Partes sozinha noite dentro. Triste
levando na mão uma única rosa - branca
como a neve que cai e apaga o teu rasto -
como as tuas mãos vazias acenando num triste adeus.
Tudo em redor ruiu...
As catedrais que se erguem na noite, as muralhas,
os caminhos sombrios...
Deixa o silêncio cobrir-te
e os sonhos que a noite levou voltarem
numa louca vertigem que te assalta subitamente
e te conduz na última viagem.

Vai, entra nessa porta brilhante como o ouro
de infindáveis manhãs.
Viaja nesse mar tão vasto quanto a dor
entra nesse barco que te há-de levar sobre as ondas,
e esquece o espaço e as pessoas que ficaram.
Tolos que o tempo aprisionou na sua corrente.
Relembra apenas o rosto daquele que te amava mais a cada dia
o sorriso eterno e terno, o riso de criança
o brilho no olhar que já viu muito.
Criança a quem o tempo não soube ferir.


(II)


Sacodes do rosto ainda sonolento
a poalha dos sonhos que a madrugada deixou.
Estendes a mão e procuras o calor do meu corpo
não estou.

Parti cedo.
Ver o mar que cintila à primeira luz da manhã
e como um espelho reflecte imagens distorcidas.
Há vários dias que me perdi no fundo de um espelho
e fui incapaz de voltar...

Quando estou só
abro uma janela imaginária e é este o mar que eu vejo
e é este o murmúrio que oiço.
Deixo o dia correr lentamente
enredado pelo perfume salgado
e uma luz que não me pode aquecer.

Apago num gesto seco memórias que não quero guardar.
Sinto a dor subir por mim até se deter
onde o medo de te perder é mais forte.
Percebo então que já te perdi. Comecei a perder-te
no próprio dia em que te encontrei.

Deixo espelho de água cegar-me.
Houve algo que se perdeu para sempre no fundo do espelho.
Não neste, de água, mas no outro
mais profundo que qualquer abismo ou mar.
Sinto-me ferido... incompleto.
Tenho medo de descobrir aquilo que perdi
mas tenho medo de ter perdido algo importante.
Há um véu que me cobre as memórias.
Há nomes sem rosto, corpos, sangue,
cartas...
E uma cigana que me leu o destino
traçado nas mãos
e que fugiu de mim, falando de maldições,
de dor e de mortes.
E há um peso de ossos e uma luz difusa
há ouro e jóias, encontros adiados.
Um caminho incerto e há o medo e há a luta dos corpos.
Mas já não há esperança.
Deixei que o tempo e amor me ferissem.
É inútil tentar avançar...
(III)
Amanhã ou depois. Sei que virá o dia
em que ficarei a ver-te partir,
e nada poderei dizer ou fazer,
e não te poderei forçar a ficar comigo.
Porque o tempo inventou o Amor, e matou-o
para nos apercebermos da sua presença.
Para sentirmos os dias que se arrastam
cinzentos e solitários, depois do fogo se consumir
quando o amor se esvai.
Por agora ficas aqui.
Deitada na sombra do meu corpo
e com a ponta dos dedos acendes sensações
e desejos que julguei adormecidos, esquecidos
mas que voltam uma vez mais
quando os teus dedos correm agéis sobre mim
e a tua voz chega até mim num doce murmúrio.
Isso é agora. Amanhã ou depois
ficarei sentado a ver-te partir.
Ou talvez deitado na memória de outros dias.
Entregarei o corpo à febre das cidades,
ao álcool, aos corpos que se deixam seduzir.
Viajarei noite dentro como uma fera de fogo.
Ardendo numa chama sem luz.
Gastando o meu calor,
que se alimenta de outros sonhos e outros corpos
e se desvanece na madrugada.
Mas isso há-de ser depois.
Quando tiver esquecido a dor de te perder
e me entregar ao abandono.
(IV)
Espero que a noite venha,
então parto, caminhando na fina lâmina da lua.
Percorro a noite
com os seus crimes, as suas luzes, a sua beleza,
deixo que o vento me envolva
e me conduza ao acaso pelas ruas.
A noite é o princípio e o fim de tudo.
Aqui e só aqui me sinto m casa.
Aqui o que dizemos ou escrevemos é eterno
fica para sempre no local em que o deixamos
no vento ou no papel.
Gosto dos encontros que a noite oferece.
Os desejos que desperta, os convites inesperados,
os olhares,os corpos que se vendem ou se trocam,
os vícios, as trevas profundas
a Morte.
Mesmo que tudo mais se perca, as memórias
essas ficam para sempre.
E as minhas memórias estão cheias de noite.
De bares e de música, de danças loucas
de risos e de lágrimas.
De rostos que a noite devorou
e a cidade esqueceu.
E é de noite que eu quero partir.
Quando não houver mais nada para descobrir
ou ninguém para amar.
Caminharei por essas ruas sombrias
envolvido em trevas e silêncio
sem medo.
Cruzarei a rua e entrarei nessa porta
para esse mundo mágico onde tudo fica
onde tudo começou e onde há-de acabar.

1 comentários:

Anónimo disse...

é o ultimo comentario do dia:

o poema é lindo.
as fotos maravilhosas.
e o blog em geral excelente.

continua assim...